Vênus Noire é um filme que dói. Baseado na biografia de Saartjie Baartman: nascida no final dos anos 1780, na comunidade Khoisan, na África do Sul. Perdeu a mãe ainda criança e, na adolescência, perdeu o pai e o irmão. A comunidade onde Saartjie vivia foi atacada pelos colonizadores holandeses, e ela foi feita escrava.
Quando o público e os cientistas perderam o interesse por ela, seu dono a obrigou a se prostituir. Saartjie morreu em 1815, aos 25 anos, vítima de sífilis. Seu corpo foi vendido para o Museu de História Natural de Paris, onde foi dissecado e empalhado, permanecendo em exposição por muitos anos. Posteriormente, o corpo foi substituído por um molde de gesso.
Em uma época em que os corpos das mulheres brancas eram escondidos por camadas e camadas de roupas, os corpos das mulheres não brancas e das classes subalternas estavam sujeitos à "apreciação" pública, bem como à exploração sexual. O caso de Saartjie é paradigmático da objetificação a que eram submetidos os corpos das mulheres de grupos humanos escravizados e colonizados.
Retratadas pelos evolucionistas como figuras zoomórficas, "aberrações" que confirmavam o progresso do "tipo europeu" em relação aos demais tipos humanos, esses corpos eram utilizados para demarcar as diferenças raciais e evolucionárias.
Há quem pense que essa sociedade, que tratava as mulheres negras como "bichos exóticos", foi totalmente superada, que vivemos outros tempos. No entanto, inúmeros exemplos contemporâneos demonstram o contrário. Ainda hoje, as mulheres negras colhem os frutos desse pensamento, sendo constrangidas a se enquadrar nos estereótipos de "corpo exótico" ou a lutar arduamente para superar a desumanização produzida por esses estereótipos e a exploração de seus corpos.
A história de Saartjie foi retratada no filme Vênus Noire.
Em 1994, após o fim do apartheid e a eleição como presidente de Nelson Mandela, iniciou-se um processo de reparação histórica, que incluiu a restituição dos corpos de figuras históricas que haviam sido desrespeitadas e desumanizadas durante o período colonial. Baartman foi uma dessas figuras, cujo corpo, após sua morte em 1815, foi dissecado e exibido no Museu de História Natural de Paris.
A campanha para trazer o corpo de Baartman de volta à África do Sul começou a ganhar força no período pós-apartheid, com o governo de Mandela buscando restaurar a dignidade da mulher que foi vítima de uma das formas mais humilhantes de exploração e racismo colonial. Em 2002, após anos de negociações e esforços diplomáticos, o governo francês concordou em devolver os restos mortais de Saartjie Baartman à África do Sul. Ela foi finalmente enterrada em 2002, em sua cidade natal, Hankey, com um funeral que reconheceu sua dignidade como ser humano.
O pedido de Mandela para que o corpo de Saartjie Baartman fosse devolvido à África do Sul simbolizou um esforço mais amplo de reconciliação e reparação das injustiças históricas, além de ser um ato de resistência contra as narrativas colonialistas que haviam objetificado e desumanizado os corpos negros, especialmente o corpo feminino.
Metodologia:
2) Contextualizar a história de Saartjie Baartman, destacando como ela representa o extremo da exploração colonial.
4) Debate inicial (10 minutos):
Perguntar- Como o filme representa a desumanização de Saartjie?
- Que elementos do colonialismo aparecem nas cenas?
- É possível identificar formas de resistência, mesmo que sutis, na história de Saartjie?
5) Análise Crítica e Propostas de Reumanização: Discussão em pequenos grupos (15 minutos):
- Dividir os estudantes em grupos e fornecer as seguintes perguntas para discussão:
- Como o colonialismo impacta a percepção do corpo e da identidade de Saartjie no filme?
- Como Fanon analisaria a história de Saartjie?
- Que práticas de resistência poderiam ter sido possíveis no contexto dela?
- Cada grupo apresenta suas reflexões em plenária.
- Pedir aos estudantes que criem uma narrativa alternativa para Saartjie Baartman, focando em sua reumanização e resistências possíveis.
- Exemplo: Escrever uma carta em primeira pessoa como se Saartjie tivesse tido a oportunidade de contar sua própria história.
Ficha Técnica de "Vênus Noire" (2010)
- Título Original: Vênus Noire
- Direção: Abdellatif Kechiche
- Roteiro: Abdellatif Kechiche, Ghalia Lacroix
- Produção: Caroline Benjo, Carole Scotta, Véronique Cayla
- Produção Executiva: Eric Lagesse
- Fotografia: Sofian El Fani
- Montagem: Lise Beaulieu
- Música: Khyam Allami
- Direção de Arte: Jérémie Duchier
- Figurino: Dorothée Guiraud
- Cenografia: Gwendal Lebar
- Distribuição: Pyramide Distribution (França)
- Gênero: Drama histórico
- Ano de Lançamento: 2010
- Duração: 159 minutos
- Idioma: Francês
- Países: França, Bélgica
- Elenco Principal:
- Yamina Benguigui (como Saartjie Baartman)
- Olivier Gourmet (como o médico Dr. Dunlop)
- Isabelle Sadoyan (como Madame de la Duree)
- François Négret (como Lous)
- Andre Jacobs (como Petrus)
Sinopse:
"Vênus Noire" é uma dramatização da vida de Saartjie Baartman, uma mulher Khoikhoi que foi levada para a Europa no início do século XIX e exibida como uma "aberração" devido às suas características físicas. O filme descreve o sofrimento e a exploração que Baartman enfrentou, sendo tratada como um objeto de curiosidade racial e sexual. Através da narrativa intensa e emocional, o filme aborda a objetificação do corpo feminino negro e as humilhações que ela sofreu em sua vida e após sua morte.
Prêmios e Indicações:
- Festival de Cinema de Veneza (2010): Indicado ao Leão de Ouro.
- Prêmios César (2011): Indicado a Melhor Filme e Melhor Atriz para Yamina Benguigui.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Heloísa P. A. Jahn. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2008. Dispinível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/8269273/mod_resource/content/1/FANON_PELES%20NEGRAS%20MASCARAS%20BRANCAS.pdf
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução de Mario Cláudio. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2008. Disponível em: https://afrocentricidade.wordpress.com/wp-content/uploads/2012/06/os-condenados-da-terra-frantz-fanon.pdf
Frantz Omar Fanon (1925-1961). Fanon, Frantz Omar. Racismo e cultura. Editora Terra sem Amos: Brasil, 2021.