24 de fevereiro de 2012

80 anos do voto feminino no Brasil



A luta mundial dos movimentos feministas inclui em seus registros o nome da cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte. Em 1928, esse estado nordestino era governado por Juvenal Lamartine, a quem coube o pioneirismo de autorizar o voto da mulher em eleições, o que não era permitido no Brasil, mesmo a proibição não constando da Constituição Federal.

Celina Guimarães Viana (Natal, 15 de novembro de 1890 — Belo Horizonte, 11 de julho de 1972) foi a primeira mulher brasileira e da América Latina a conseguir um título eleitoral, e a votar na eleição de 5 de abril de 1928 na cidade de Mossoró, no interior do Rio Grande do Norte. Com o advento da Lei nº 660, de 25 de outubro de 1927, o Rio Grande do Norte foi o primeiro Estado que, ao regular o "Serviço Eleitoral no Estado", estabeleceu que não haveria mais "distinção de sexo" para o exercício do sufrágio. Aprovada a Lei, várias mulheres requereram suas inscrições e a 25 de novembro de 1927. No Consultor Jurídico do jornal "O Estado de São Paulo", encontra-se a informação de que logo após a proclamação da República, o governo provisório convocou eleições para uma Assembléia Constituinte. Na ocasião, uma mulher conseguiu o alistamento eleitoral invocando a legislação imperial, a "Lei Saraiva", promulgada em 1881, que determinava direito de voto a qualquer cidadão que tivesse uma renda mínima de 2 mil réis. Mas a primeira eleitora do país, Celina Guimarães Viana, que invocou o artigo 17 da lei eleitoral do Rio Grande do Norte, de 1926: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexos, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por lei”. Em 25 de novembro de 1927 ela deu entrada numa petição requerendo sua inclusão no rol de eleitores do município. O juiz Israel Ferreira Nunes deu parecer favorável e enviou telegrama ao presidente do Senado Federal, pedindo em nome da mulher brasileira, a aprovação do projeto que instituía o voto feminino, amparando seus direitos políticos reconhecidos na Constituição Federal”. Outras eleitoras compareceram às eleições de 5 de abril de 1928, mas seus votos foram anulados pela Comissão de Poderes do Senado. Após Celina ter conseguido seu título eleitoral, um grande movimento nacional levou mulheres de diversas cidades do Rio Grande do Norte, e de mais outros nove estados da Federação, a fazerem a mesma coisa. Mas, somente com o Código Eleitoral de 1932, é que "o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo…" poderia votar efetivamente.

Outra pioneira do voto feminino no Brasil foi a estudante de direito mineira, Mietta Santiago (pseudônimo de Maria Ernestina Carneiro Santiago Manso Pereira). Mineira educada na Europa, com 20 anos retornou do velho mundo e descobriu, em 1928, que o veto ao voto das mulheres contrariava o artigo 70 da Constituição Brasileira de 24 de fevereiro 1891, então em vigor. Com garantia de sentença judicial (fato inédito no país), proferida em Mandado de Segurança, conquistou o direito de votar. O que de fato fez, votando em si mesma para uma vaga de deputada federal. Acreditem, Mietta não foi eleita. Escritora, advogada e oradora competente, frequentava com desenvoltura o círculo de políticos, como também as rodas boêmias dos escritores mineiros, tais como Pedro Nava, Drummond, Abgar Renault e outros. Carlos Drummond de Andrade, impressionado com a conquista do voto feminino, dedicou a Mietta o poema "Mulher Eleitora":

Mietta Santiago
loura poeta bacharel
Conquista, por sentença de Juiz,
direito de votar e ser votada
para vereador, deputado, senador,
e até Presidente da República,
Mulher votando?
Mulher, quem sabe, Chefe da Nação?
O escândalo abafa a Mantiqueira,
faz tremerem os trilhos da Central
e acende no Bairro dos Funcionários,
melhor: na cidade inteira funcionária,
a suspeita de que Minas endoidece,
já endoideceu: o mundo acaba".

Além da sua contribuição para o voto feminino, Mietta fez parte do grupo responsável pela primeira publicação modernista em Minas Gerais, "A Revista", como se lê na Enciclopédia de Literatura Brasileira: "Data de 1925 a primeira publicação modernista de Minas, "A Revista", da qual faziam parte Carlos Drummond, João Alphonsus, Emílio Moura, Pedro Nava, Austen Amaro e Martins de Almeida, aos quais se juntaram pouco depois João Dornas Filho, Albano de Morais, Mieta Santiago, Ascânio Lopes, João Guimarães Alves muitos outros".

Com a mulher eleitora, vieram outras conquistas de espaço na sociedade. Veio a primeira mulher a eleger-se deputada estadual no Brasil, e a luta pela emancipação feminina foi ganhando impulso em todo o país, levando o voto feminino a ser regulamentado em 1934. O episódio tem importância mundial, pois mais de uma centena de países ainda não permitia à mulher o direito de voto. Na própria Inglaterra civilizada o voto, apesar de permitido antes, só foi regulamento após Mossoró inscrever sua primeira eleitoral.

Os primeiros exemplos de organização de mulheres nos vieram das regiões norte e nordeste, no final do século XIX, e eram voltados para a causa abolicionista. Nascida no Ceará, em 1882, a "Sociedade das Senhoras Libertadoras ou Cearenses Libertadoras", presidida por Maria Tomásia Figueira, em parceria com Maria Correia do Amaral e Elvira Pinho, atuou em defesa da liberdade fundando associações em Fortaleza e no interior do estado, contribuindo para que, em 1884, a Assembléia Legislativa provincial, finalmente, decretasse o fim da escravidão no Ceará. Nesse mesmo ano, foi criada, na cidade de Manaus, a associação "Amazonenses Libertadoras", fundada por Elisa de Faria Souto, Olímpia Fonseca, Filomena Amorim, entre outras – todas brancas e representantes da elite local. Contudo, elas defendiam a emancipação de todos os escravos do solo amazonense, o que aconteceu, em 30 de março de 1887, um ano antes da Lei Áurea.

Também digna de nota foi a entidade criada em 1906, no Rio de Janeiro (Associação Beneficente Funerária e Religiosa Israelita), por prostitutas de origem judaica, que administraram a organização por mais de 80 anos, prestando assistência social a essas mulheres esquecidas pelo Estado e discriminadas pela comunidade judaica. Chegaram a fundar uma sinagoga. Entre suas diretoras, destacaram-se Matilde Hüberger, Emmy Zusman e Amália Schkolnik.

Na mesma época (1910), Leolinda Daltro e outras feministas, entre elas a escritora Gilka Machado, fundaram, na então capital federal, o Partido Republicano Feminino, cujo objetivo era “promover a cooperação entre as mulheres na defesa de causas que fomentassem o progresso do país”. Como não poderia deixar de ser, o objetivo maior da agremiação era a luta pelo sufrágio feminino, uma vez que as mulheres não podiam votar e nem ser votadas. Esse grupo de feministas adotou uma linguagem política de exposição pessoal diante de críticas da sociedade, realizando manifestações públicas que não foram tratadas com indiferença pela imprensa e os leitores. O Partido Republicano Feminista teve o mérito inegável de lançar, no debate público, o pleito das mulheres pela ampla cidadania.

Em 1917, a agitação social das greves operárias, o movimento anarquista, o fim da primeira guerra mundial, e a maior escolaridade de mulheres da elite, trouxeram à tona uma outra geração de feministas. No ano de 1920, surgiram vários grupos intitulados Ligas para o Progresso Feminino, embrião da poderosa Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Fundada em 1922 e dirigida por Bertha Lutz, a Federação teve papel fundamental na conquista do sufrágio feminino e, por extensão, na luta pelos direitos políticos da mulher, e destacou-se, também, como organização feminista com maior inserção nas esferas de poder da época. Suas militantes escreveram na imprensa, organizaram congressos, articularam com políticos, lançaram candidaturas, distribuíram panfletos em aviões, representaram o Brasil no exterior.

Além delas, havia ainda um bom número de mulheres ativistas ligadas a outras ideologias e tradições. Maria Lacerda de Moura, por exemplo, tornou-se uma escritora polêmica que questionava os padrões comportamentais impostos às mulheres, defendendo o amor livre e negando a maternidade como um destino inevitável. Do lado dos comunistas, Laura Brandão e Maria Lopes integravam o "Comitê das Mulheres Trabalhadoras", fazendo propaganda em porta de fábrica e tentando aproximar o operariado feminino e o Partido Comunista Brasileiro. A sufragista gaúcha Natércia da Silveira, dissidente da "Federação Brasileira pelo Progresso Feminino", fundou em 1931 a "Aliança Nacional de Mulheres", para prestar assistência jurídica à mulher. Com 3 mil filiadas, a Aliança foi fechada pelo golpe de 1937, que aboliu as liberdades democráticas e abortou as organizações políticas e sociais do país.

Essas organizações são apenas alguns exemplos. Por esse país imenso, muitas mulheres, infelizmente anônimas para a história oficial, pintaram, bordaram e ousaram formas de se organizar. De um jeito ou de outro, elas deram o seu recado.

No plano nacional, o Presidente Getúlio Vargas resolve simplificar e todas as restrições às mulheres são suprimidas. Através do Decreto nº. 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, é instituído o Código Eleitoral Brasileiro, e o artigo 2 disciplinava que era eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do código. É de ressaltar que as disposições transitórias, no artigo 121, dispunham que os homens com mais de 60 anos e as mulheres em qualquer idade podiam se isentar de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral. Logo, não havia obrigatoriedade do voto feminino.

Pioneiras

• Celina Guimarães Viana, nascida em Mossoró em 1890, foi a primeira eleitora inscrita no Brasil. Veio a ser também, a primeira mulher a eleger-se deputada estadual no País, no Rio Grande do Norte. O primeiro voto feminino no Brasil – e na América Latina, foi em 25 de novembro de 1927.

• Alzira Soriano foi à primeira prefeita eleita para qualquer cargo político, no Brasil e na América do Sul. Foi escolhida prefeita da cidade de Lajes - RN, em 1928, com 60% dos votos válidos. Ela era filha do “coronel” Miguel Teixeira de Vasconcelos e à época, estava com 31 anos.






• Carlota Pereira de Queiroz foi à primeira mulher a se eleger Deputada Federal. Ela era de São Paulo e essa eleição foi em 1933.





12 de fevereiro de 2012

Cor não deve rimar com rancor















Racismo

Racismo não tem sexo, não tem cor,
Apenas ódio pelo outro e rancor.
Racismo não tem pés nem cabeça.
Racismo não é mal, é doença.
Racista não sabe o que é a justiça.
Racista é quem do outro tem medo.
Pensa que o mal vem sempre de fora
E que estrangeiro vem roubar-lhe o pão.
Na casa do racista não mora
Compaixão nem que seja de raspão.
Racista acha-se justo e superior
De religião, de corpo e de mente.
Ele acha que a mulher é inferior
Simplesmente porque é diferente.
Racismo é contido nos corações
E explode em atentados suicídios.
Manifesta-se em palavras e ações.
É responsável por genocídios.
Racismo abre campos de concentração.
Transforma corpos em cinzas e fumo.
Racismo não conhece direcção,
Avança, mas sem rumo.
 Minhoto

Ler mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=180315#ixzz1mDhF2at0




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5 de fevereiro de 2012

Greve de policiais na Bahia: Chame Ladrão, Chame ladrão!



Quem está assassinando moradores de rua na Bahia? O preconceito social e racial tem sido a “marca registrada” da onda de homicídios dos últimos dias na Bahia. De um lado, o governo intransigente em relação as demandas da PM baiana (justíssimas por sinal), do outro lado, uma polícia acostumada a se impor pela violência e no meio disso tudo, bem no meio, estão pessoas sem nome, sem rosto, convertidas em números, é o caso da moradora de rua assassinada enquanto amamentava o filho na madrugada de sexta para sábado. Há poucos dias do carnaval, as “autoridades”e a imprensa parecem mais preocupadas com olhar estrangeiro, isto é, em proteger as centenas de europeus que invadem as ruas e praias de Salvador nos dias de folia, em poupá-los das nossas desgraças sociais e raciais; do que garantir direitos básicos à população, como amamentar o filho sem ser assassinada. Os policias grevistas deram seu recado: os saques e assaltos ocorridos nos últimos dias mostraram que a polícia é peça chave para manutenção da propriedade privada (dogma do capitalismo) e custe o que custar é preciso mantê-la. Interessante notar, que embora os crimes contra o patrimônio tenham aumentado desde o começo da greve, os crimes contra a vida tiveram aumento muito maior, da ordem de 129%. Números que tomam contornos de “limpeza étnica” à medida que são traduzidos em informações sobre as vítimas, algumas delas disponíveis no site da Secretaria de Segurança pública da Bahia (http://www.ssp.ba.gov.br ):

Lista das vítimas de Homicídios ocorridos entre os dias 03/02 e 05/02 :







A maior parte das vítimas dos homicídios ocorridos nesse final da semana era de homens, jovens e aposto que a maioria negros e pobres. Das vítimas citadas, quase metade, não foram identificadas,o termo identidade ignorada que aparece 19 vezes numa lista de 39 homicídios. Onde consta o triplo homicídio de  três rapazes, identificados como Danilo dos Santos Moreira, Railton Gomes dos Santos e o adolescente Bruno Menezes de Souza. De acordo com a imprensa as vítimas estavam na rua quando um carro vermelho com cerca de quatro homens encapuzados passaram pelo local atirando. Entre as vítimas cuja  identidade continua ignorada estão a moradora de rua mencionada anteriormente, segundo testemunhas, ela vivia no Centro de Salvador e costumava circular pela Praça Piedade pedindo dinheiro.

Vários homens armadas saíram de dois carros e começaram a atirar contra a praça. Nós estávamos na rua sem fazer nada, esperando ver se alguém aparecia para doar uma comida. Quando ouvi os tiros me escondi, mas pude ver quando os homens começaram a atirar aleatoriamente.Ela estava sentada com a filha no colo, correu quando viu a confusão e foi baleada. Os atiradores fugiram em dois carros -  relatou um morador de rua que preferiu não ser identificado. 
Ou seja, os moradores da Praça Piedade eram o alvo dos atiradores. Moradores de rua costumam ser os mais visados pelos esquadrões da morte, o lado B de muitas corporações policiais brasileiras. Um lado que mesmo os governantes que têm o discurso sobre direitos humanos na ponta da língua parecem dispostos a tolerar em nome da ordem. O que nos leva à verdade sobre a polícia: o aparelho policial participa ativamente na manutenção e reprodução da ordem social e não é possível incutir nesses agentes da ordem o desejo defender a propriedade privada (de outrem) sem incutir neles certa antipatia, que por vezes se transformar em indiferença ou/e ódio, em relação aos setores que devem reprimir. Os policiais brasileiros aprendem ainda na academia, mediante os trotes violentos e humilhantes, como desumanizar o outro. Em momentos como esse, de conflito político, as raízes da violência policial ficam a mostra.

Faço minha as palavras Nildo Viana no artigo reproduzido abaixo:


AS RAÍZES DA VIOLÊNCIA POLICIAL

O que justifica a existência do sistema policial é a sua função de cuidar da segurança pública e garantir o cumprimento das leis. Esta justificativa, entretanto, se revela ideológica, já que inverte a realidade e esconde o fato de que o sistema policial, muitas vezes, cumpre um papel, oposto ao que se propõe. Porquanto o sistema policial possua uma função que vai além do combate a criminalidade e em defesa do cumprimento das leis instituídas (incluindo a repressão política), ele, além disso, ultrapassa os limites legais de suas funções e reproduz a criminalidade. O sistema policial vem sendo envolvido em constantes acusações de abuso de autoridade, de corrupção, de envolvimento em crimes, de formação de grupos de extermínio, etc. Resta sabermos as razões que levam uma instituição, que foi criada para combater a criminalidade, e que, em muitos casos, acaba reproduzindo-a.

Pode-se argumentar que os baixos salários dos policiais, a ineficiência e morosidade do poder judiciário são algumas das razões que levam a deformação do sistema policial. Isto, sem dúvida, é verdade, mas não é suficiente para explicar a escolha das “soluções” feitas pelos agentes policiais.

O abuso de autoridade e a formação de grupos de extermínio é produto de uma reação às deficiências do sistema judiciário nacional, mas é uma reação específica a estas deficiências. Esta reação se caracteriza pela utilização de meios criminosos para combater a criminalidade. Desta forma, rompe com a legalidade sob o pretexto de mantê-la, ou seja, o problema deixa de ser a criminalidade para ser o criminoso. A criminalidade é uma relação social que colocam sujeitos sociais frente a frente e que apresenta, nesta relação, o desrespeito aos direitos alheios, rompendo, assim, com a legalidade. Portanto, é o infrator da lei, definido pela infração da lei, que é o criminoso. O policial que comete abuso de autoridade ou participa de grupos de extermínio está preocupado com o criminoso e não com a criminalidade e por isso reproduz esta, tornando-se um criminoso também. O abuso de autoridade e o extermínio são infrações contra a lei e o infrator, no caso, o policial, é um criminoso como outro qualquer. A única diferença são as motivações do criminoso: o assaltante pode roubar comida por estar com fome e o policial que o prende e depois o espanca o faz por se considerar “a encarnação da justiça”.

Esta é uma das raízes da violência policial. O policial tem a tendência a se considerar como a ‘encarnação da justiça”. Um conjunto de fatores cria tal ilusão: a farda policial, o treinamento recebido e a própria função de “representante da lei” são alguns destes fatores mas existem outros, como, por exemplo, a imagem do policial criada pela sociedade que o distingue dos demais “cidadãos comuns”. Os filmes policiais que, na maioria dos casos, mostram o herói policial que rompe com as diretrizes apresentadas pelos seus superiores e faz a justiça “ao seu modo” ou “pelas próprias mãos” é outro reflexo desta imagem social do policial. A farda é uma distinção simbólica que expressa uma distinção social. A distinção entre aquele que executa a lei – o policial – e aquele que apenas pode reivindicar tal execução (o “cidadão comum”) é reconhecida pela sociedade e isto reforça o sentimento de “justiceiro” que domina os agentes policiais. Assim, o policial passa a se considerar “acima dos mortais” ou seja, considera-se acima das limitações humanas, dotados de infalibilidade, sem problemas de ordem psíquica, cultural, afetiva, intelectual, etc., e que por isso sempre pode julgar com “neutralidade” e “justiça” os demais cidadãos. O “representante da lei” se autonomiza e passa a se considerar a própria lei e volta-se contra ela, infringindo-a e, ao mesmo tempo, não infringindo-a, segundo a racionalização do policial, por que ela não é mais àquela da legislação e sim ele – o policial – com sua vontade arbitrária e independente de quaisquer critérios.

Portanto, o policial se julga a “encarnação da justiça” e isto lhe dá o direito, do seu ponto de vista, de infringir a própria lei que lhe concedeu a autoridade de ser seu “representante”. Outras causas para tal comportamento já foram explicitadas pela psicanálise nos seus estudos sobre a personalidade autoritária. Não cabe aqui aprofundar a contribuição da psicanálise, mas é necessário deixar claro que a família, tal é constituída hoje, é uma fonte para a formação de pessoas com uma personalidade autoritária e a escolha da carreira policial já deixa implícito, em muitos casos, as motivações psíquicas que lhe dão origem.

Isto somado com a “imagem social” do policial, reforçada pela própria prática dos policiais, e com a convivência em uma ambiente de criminalidade produzem as motivações da violência policial. Porém, existe uma outra razão que gera não só a violência policial, mas também a própria corrupção do sistema policial. Esta é o que podemos chamar de sociabilidade, ou seja, o conjunto das relações sociais que reproduzimos cotidianamente de forma automática e semi-consciente, gerando uma determinada mentalidade dominante pautada pelos valores dominantes.

A sociedade capitalista é competitiva por natureza e isto se manifesta em todas as relações sociais. Os indivíduos introjetam em seu universo mental estas relações e assim a competição acaba se tornando um componente da mentalidade das pessoas. A “competição social” surge da competição que ocorre derivada das relações de produção capitalistas e se expande para todos os aspectos das relações sociais (“políticos”, artísticos, culturais, cotidianos, esportivos, entre outros). A vida torna-se uma competição com objetivo de atingir o cume da pirâmide social, na realidade através do “poder econômico”, ou na aparência, através da busca de status. Logo, todos os indivíduos buscam a ascensão social, independente de quais forem os meios para atingir isto. O policial está envolvido nestas relações sociais e as reproduz. A sua origem social, geralmente dos estratos mais pobres da população, e os seus baixos salários, juntamente com outros fatores, colocam-no em uma situação desvantajosa na competição social. Isto sem falar que sua situação de vida precária pode produzir constantes conflitos familiares. Ele passa a ter a necessidade psíquica de compensar isto. Além disso, cria-se uma situação de insatisfação que torna-o agressivo e reforça suas tendências autoritárias. Assim, ele se torna mais corruptível, por um lado, e mais autoritário e violento, por outro. Esta é a principal fonte da violência policial e, como se pode observar, há um entrelaçamento entre todas as suas determinações e que envolvem o conjunto das relações sociais.

De nada adianta apresentar propostas como o aumento dos salários, a melhoria das “condições de trabalho”, implementação da pena de morte, etc., pois o aumento de salário nunca levará os agentes policiais ao cume da pirâmide social; a melhoria das “condições de trabalho” significa melhoramento nos meios de repressão que, certamente, continuarão, em muitos casos, sendo usados de forma contrária ao que se propõe e também para fins político-repressivos; a pena de morte não significa combate à criminalidade e sim aos criminosos. As duas primeiras medidas podem ser implementadas e, no caso da primeira, é bastante importante, pois pode contribuir com a diminuição da corrupção no sistema policial. Entretanto, essas reformas não são suficientes para resolver o problema da violência policial e/ou o problema da criminalidade. Isto ocorre por que tais reformas não chegam até as raízes da violência policial, pois a questão policial é uma questão social.

A violência estatal organizada e o sistema político corrupto são outras determinações da violência policial. O Estado, originado da sociedade civil, acaba se autonomizando e se tornando uma excrescência parasitária e que exerce o papel de reproduzir as relações de produção capitalistas, através das mais variadas formas, entre as quais, a repressão e a defesa de determinados interesses em seu interior, de grupos que estão no governo, aliados a outros grupos existentes na sociedade.Assim, a violência estatal é uma forma de manifestação de violência de classe, na qual as classes exploradas e grupos oprimidos são as principais vítimas, bem como seus aliados em outros setores da sociedade. A violência policial, mais especificamente, também atinge os setores mais empobrecidos da sociedade, pois o policiais como indivíduos e o sistema policial como um todo não visa os grandes criminosos, que roubam milhões, lucram com o narcotráfico, etc., mas apenas aqueles que são vítimas desse processo através da pobreza, miséria, desemprego.

A violência policial foi tratada, até aqui, a partir das motivações do policial individual de entrar no sistema de corrupção, de ser violento, etc., que é uma de suas determinações mas estão envolvidas em outras determinações mais amplas, tal como o processo social em geral, sociabilidade, e os interesses de classes e grupos que agem sobre o Estado e faz com que este, ao invés de cumprir seu papel legitimado pela sociedade, faça um papel totalmente antagônico aos seus propósitos e sua própria ideologia do “estado de direito”, sendo palco de corrupção e criminalidade, atingindo indivíduos comuns e prejudicando a população que, supostamente, deveria defender. O Estado é criminoso quando persegue a oposição política, pois está no regime legal de quase todos os países a “liberdade de opinião”, “liberdade de expressão”, “liberdade de reunião”, etc. Ele é criminoso quando vigia, pune, pessoas inocentes ou mesmo o faz sem o devido julgamento e o famoso “direito de defesa”. Portanto, o combate à criminalidade estatal e sua forma mais visível, a violência policial, passa pelo controle da população sobre o sistema policial, algo extremamente difícil no capitalismo, mas que pode e deve ser uma bandeira de luta e pode se concretizar, mesmo que precariamente, o que contribuiria com outras lutas e com o processo de transformação social, desde que haja auto-organização da população, nos locais de moradia, trabalho, estudo, etc.

A resolução dos problemas da criminalidade e da violência policial só será conquistada com a transformação radical das relações sociais e isto pressupõe a construção de uma nova sociedade em substituição a sociedade capitalista. Enquanto isto não ocorre, é preciso tomar medidas que impeçam o florescimento da violência policial, da corrupção no sistema policial e da criminalidade. Além das reformas acima citadas (com exceção da pena de morte que é apenas a tentativa de legalizar um ato criminoso, que é o atentado contra o direito à vida), deve-se acrescentar um conjunto de mudanças em todo o sistema policial, tais como: a) mudança na formação de quadros policiais, implementado-se cursos contendo disciplinas como sociologia e psicanálise, que devem ser ministrados através de convênios entre as instituições policiais e as associações representativas destas categorias; b) criação de meios de controle sobre o sistema policial por parte do sistema judiciário, entidades da sociedade civil e população em geral; c) apresentar como objetivos do sistema policial não a punição e o combate aos criminosos e sim a prevenção, recuperação e o combate à criminalidade, o que significa não só a prevenção em relação ao ato criminoso, mas também em relação às determinações que desencadeiam estes atos.

Portanto, é fundamental combater as raízes da criminalidade e isto significa combate à miséria, ao desemprego, etc., e isto está relacionado com o processo de transformação social em geral. Esta é a estratégia para lutarmos pela transformação do sistema policial e abolir a violência policial.

Artigo publicado originalmente no Jornal Autogestão, em 1996, disponível em http://informecritica.blogspot.com/2011/04/as-raizes-da-violencia-policial.html








1 de fevereiro de 2012

FEMINISTAS APOSTOS: vem aí As Brasileiras, a nova série da Globo.




Vem aí a nova série da Globo, As Brasileiras que, segundo dizem, pretende mostrar o “charme irresistível” da mulher brasileira. No elenco estão personalidades como Xuxa, que não costuma atuar em produção para adultos (desde a  pornochanchada  “Amor estranho amor”); a cantora e por ora atriz Ivete Sangalo; a hollywoodiana Alice Braga;  a garota Devassa Sandy, entre outras atrizes e não-atrizes que compõem os  exemplares de brasileiras irresistíveis. Os títulos dos episódios associam as personagens às respectivas regiões que representam: A Sambista da BR-116, A Culpada de BH, A Venenosa de Sampa, A Inocente de Brasília, A fofoqueira de Porto Alegre, A Selvagem de Santarém, A indomável do Ceará e assim por diante.

O episódio de estréia será a Justiceira de Olinda e trará Juliana Paes no papel de uma mulher ciumenta que castra o marido, mas se arrepende e tenta salvar o órgão dele com ajuda da melhor amiga, que posteriormente descobre ser a amante do marido. Já na estréia As Brasileiras mostra a que veio, lançando mão da fórmula: justiça feminina =castração masculina. Fórmula que, fora da banalidade das séries da Globo, resguarda a perspectiva de que as exigências e anseios femininos podem terminar com a  emasculação de algum homem.

Além disso, tudo indica que As Brasileiras, seguem a mesma linha de As Cariocas: mulheres submissas se fingindo de “fêmeas alfa”. Caricaturas femininas que não contribuem, em nada, na conquista de cidadania das brasileiras, na diminuição da violência e do desrespeito aos nossos direitos e, para piorar, corroboram com os estereótipos que fazem do Brasil um dos destinos mais procurados para o turismo sexual. Sim, porque longe do glamour da TV, o charme irresistível, a sensualidade tropical das brasileiras cantada em verso prosa, reificada pelas novelas e vendida pelas agências de viagens fomentam o turismo sexual, consequentemente,  a prostituição e tráfico de mulheres.


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