26 de abril de 2018

Misoginia, hipermasculinidade e violência dão o tom da apropriação comercial do hip hop.




Homens brancos, urbanos não costumam experimentar a frustração econômica, racial e a marginalização que homens negros experimentam. Então, como explicar essa identificação dos homens brancos urbanos com homens negros suburbanos? Identificação que leva os brancos a se apropriar da cultura negra como se fosse sua. Essa apropriação ultrapassa uma afinidade com os irmãos pretos suburbanos ou o gosto pela sua música (o hip hop). O sucesso da cultura afroamericana junto ao homem branco americano tem a ver com modelos de masculinidade. A imagem do homem negro suburbano não deixa de ser a de um conquistador de territórios (mesmo marginalizado e sem muitos recursos, a seu modo, ele garante o domínio masculino sobre o gueto), como guerreiros não temem matar nem morrer eles defendem sua honra e territórios e ainda paira sobre o homem negro o mito da superpotência sexual. O homem negro suburbano marginalizado não deixa de ser um modelo de hipermasculinidade. O hip hop não deixa de ser expressão dessa hipermasculinidade. As representações da masculinidade produzidas dentro da cultura hip hop visam transmitir poder ( o poder do marginal, do anti-herói), mas não só isso: eles também representam um estilo de vida que é visto e percebido como rentável, o que torna ainda mais atraente. No entanto, existem alguns componentes dentro dessa representação de masculinidade que não podem ser apropriados, que jovens não suburbanos não podem compreender ou transmitir: a "credibilidade das ruas" obtida somente no contexto original em que o hip hop foi criado. A experiência da juventude preta suburbana se expressa no limiar entre a vida e a morte. Muito poucos jovens brancos tiveram que estar preocupados com gangues, armas ou o fato de estar envolvidos em situações que os colocam em risco de morrer cedo por causa da cor da sua pele. Mas mesmo assim os brancos usam as calças jeans largas sem cinto que imita a roupa de presídio ou assumem a corporalidade hipermasculina do hip hop. Embora não tenha base contextual, o homem branco faz da sua aparência ou desempenho da representação dessa masculinidade algo crível. Aí reside a qualidade magnética do hip hop para jovens machos brancos: no modelo de masculinidade. A medida que o hip hop se capitalizava a experiência, que nas origens serviu de base para os elementos dessa cultura, foi sendo abandonada. Nesse sentido, a apropriação da cultura hip hop fora dos guetos, pela juventude branca também significou ignorar os gritos de angústia dos homens pretos; significou limpar as letras das músicas daquilo que era muito desconfortável; significou branquear aquilo que era muito preto, para transformar o hip hop num enorme, novo, negócio rentável. A capitalização do hip hop também significou a subtração do seu conteúdo crítico e exacerbação da masculinidade. Uma masculinidade baseada na objetificação das mulheres, na violência, no consumismo e experiências que estão muito longe da realidade vivida pela maioria dos homens pretos suburbanos. A utopia de Africka Bambaataa de transformar o hip hop em substituto das competições fratricidas, transformar as gangues armadas em crews de dança e grafite; transformar as disputas de pretos contra pretos por territórios numa luta política (contra o sistema), tudo isso foi enfraquecido pela capitalização. Misoginia, hipermasculinidade e violência dão o tom do hip hop comercial. Rimas sobre tiroteios, letras sobre homens matando outros homens, sobre machos invulneráveis e "outros", menos machos, são as mais bem sucedidas. O rapper 50 Cent, que na vida real sobreviveu ao ser baleado nove vezes, em uma de suas músicas, "Muitos homens", transforma esse evento em compêndio da tenacidade da sua masculinidade. Outra representação perturbadora é a da feminilidade. Mulheres são continuamente objetivadas e degradadas em músicas e vídeos misóginos. A representação da mulher preta como objetos hiper-sexualizado é regra. O que tem despertado a oposição do feminismo em relação ao hip hop. Embora em suas letras eles afirmem amar as mulheres pretas, a maneira como os rappers pretos tratam as mulheres pretas não é muito diferente da maneira como elas eram tratadas no século XIX, pelos senhores de escravos brancos, isto é: como objetos sexuais que um homem de posses pode obter.

Geni-Joga-Pedra