Homens brancos,
urbanos não costumam experimentar a frustração econômica, racial e a
marginalização que homens negros experimentam. Então, como explicar essa
identificação dos homens brancos urbanos com homens negros suburbanos?
Identificação que leva os brancos a se apropriar da cultura negra como se fosse
sua. Essa apropriação ultrapassa uma afinidade com os irmãos pretos suburbanos
ou o gosto pela sua música (o hip hop). O sucesso da cultura afroamericana
junto ao homem branco americano tem a ver com modelos de masculinidade. A
imagem do homem negro suburbano não deixa de ser a de um conquistador de
territórios (mesmo marginalizado e sem muitos recursos, a seu modo, ele garante
o domínio masculino sobre o gueto), como guerreiros não temem matar nem morrer
eles defendem sua honra e territórios e ainda paira sobre o homem negro o mito
da superpotência sexual. O homem negro suburbano marginalizado não deixa de ser
um modelo de hipermasculinidade. O hip hop não deixa de ser expressão dessa
hipermasculinidade. As representações da masculinidade produzidas dentro da
cultura hip hop visam transmitir poder ( o poder do marginal, do anti-herói),
mas não só isso: eles também representam um estilo de vida que é visto e
percebido como rentável, o que torna ainda mais atraente. No entanto, existem
alguns componentes dentro dessa representação de masculinidade que não podem
ser apropriados, que jovens não suburbanos não podem compreender ou transmitir:
a "credibilidade das ruas" obtida somente no contexto original em que
o hip hop foi criado. A experiência da juventude preta suburbana se expressa no
limiar entre a vida e a morte. Muito poucos jovens brancos tiveram que estar
preocupados com gangues, armas ou o fato de estar envolvidos em situações que
os colocam em risco de morrer cedo por causa da cor da sua pele. Mas mesmo
assim os brancos usam as calças jeans largas sem cinto que imita a roupa de
presídio ou assumem a corporalidade hipermasculina do hip hop. Embora não tenha
base contextual, o homem branco faz da sua aparência ou desempenho da
representação dessa masculinidade algo crível. Aí reside a qualidade magnética
do hip hop para jovens machos brancos: no modelo de masculinidade. A medida que
o hip hop se capitalizava a experiência, que nas origens serviu de base para os
elementos dessa cultura, foi sendo abandonada. Nesse sentido, a apropriação da
cultura hip hop fora dos guetos, pela juventude branca também significou
ignorar os gritos de angústia dos homens pretos; significou limpar as letras
das músicas daquilo que era muito desconfortável; significou branquear aquilo
que era muito preto, para transformar o hip hop num enorme, novo, negócio
rentável. A capitalização do hip hop também significou a subtração do seu
conteúdo crítico e exacerbação da masculinidade. Uma masculinidade baseada na
objetificação das mulheres, na violência, no consumismo e experiências que
estão muito longe da realidade vivida pela maioria dos homens pretos
suburbanos. A utopia de Africka Bambaataa de transformar o hip hop em
substituto das competições fratricidas, transformar as gangues armadas em crews
de dança e grafite; transformar as disputas de pretos contra pretos por
territórios numa luta política (contra o sistema), tudo isso foi enfraquecido
pela capitalização. Misoginia, hipermasculinidade e violência dão o tom do hip
hop comercial. Rimas sobre tiroteios, letras sobre homens matando outros
homens, sobre machos invulneráveis e "outros", menos machos, são as
mais bem sucedidas. O rapper 50 Cent, que na vida real sobreviveu ao ser
baleado nove vezes, em uma de suas músicas, "Muitos homens",
transforma esse evento em compêndio da tenacidade da sua masculinidade. Outra
representação perturbadora é a da feminilidade. Mulheres são continuamente
objetivadas e degradadas em músicas e vídeos misóginos. A representação da
mulher preta como objetos hiper-sexualizado é regra. O que tem despertado a
oposição do feminismo em relação ao hip hop. Embora em suas letras eles afirmem
amar as mulheres pretas, a maneira como os rappers pretos tratam as mulheres
pretas não é muito diferente da maneira como elas eram tratadas no século XIX,
pelos senhores de escravos brancos, isto é: como objetos sexuais que um homem
de posses pode obter.
Geni-Joga-Pedra