
Foram-se os tempos em que os programas de TV de sábado à tarde eram dedicados aos shows enfadonhos.
“Após o comercial, os telespectadores poderão assistir a como é feita uma lipo”, anuncia a apresentadora bonitona. Logo depois, o procedimento cirúrgico é transmitido ao vivo e em cores cruas — sem edição ou censura de imagens.
Já de saída, caberiam aqui milhares de comentários sobre Ética Médica, outros milhares sobre a banalidade e a mediocridade dos programas de TV. Mas o episódio todo merece ser comentado.
“Hoje em dia, graças à cirurgia plástica, qualquer mulher pode ficar satisfeita consigo mesma”, diz o sorridente doutor, enquanto se prepara para “dilapidar” uma mulher. Ao mesmo tempo em que realiza a cirurgia, o médico fala à repórter sobre os “benefícios” de se fazer uma plástica para reduzir os “excessos”.
Muitíssimo mais impressionante do que as palavras levianas do “doutor” era sua performance: parecia um toreador, enfiando suas espadas no lombo del toro. A destreza com o bisturi até poderia ser considerada algo profissional— não fosse o exibicionismo macabro. Era de arrepiar quando ele enfiava a agulha cirúrgica (un espetón) nas costas da paciente (vítima), despedaçando e sugando a gordura dela.
A apresentadora tentava amenizar o mal-estar e a falta de decoro, defendendo que a apresentação de cirurgias plásticas na TV era algo “educativo”.
A paciente — uma jovem vítima, magrela e sorridente — assistia (junto com milhões de pessoas) à própria carne, inerte e servil, ser esfaqueada em prol do clímax do espetáculo. Sempre sorrindo, satisfeitíssima, ela também não ficava atrás no quesito exibicionismo. Afinal de contas, seu corpo era o centro daquele show e a razão dos pontos altíssimos no IBOPE.
A cirurgia dolorosa e banal termina, e a repórter pergunta à paciente se doeu. Com a mesma simpatia alienada, ela responde: “Não doeu nada, foi até divertido”.
Divertido?
Realmente, tem muita gente que se diverte vendo barbaridades, acha graça, dá boas gargalhadas com bizarrices.
Mas fala sério: numa tourada, quem menos se diverte é o touro — assistindo ao próprio lombo ser perfurado .
Resumindo: eram cenas que extrapolavam os limites do bom senso estético e passavam a anos-luz de qualquer senso ético. Um show sinistro protagonizado por um médico sem decoro, um corpo inerte e submisso, um programa de TV inconsequente e multidões de espectadores (voyeurs), apreciando com seus “olhos canibais” a gastronomia daquelas imagens.
Na TV é assim:
- A medicina — a ciência que discute o limiar entre a vida e a morte — é convertida em “entretenimento escatológico”;
- O corpo feminino é convertido num pedaço de carne a ser consumido;
- E o escrúpulo é convertido em algo inexistente, quando o assunto é prender a atenção do telespectador médio com imagens de brutalidade.


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