30 de novembro de 2011





Ocupar Wall Street



Eles eram apenas alguns.

De repente passaram a ser muitos.

É sempre assim.

Enquanto dezenas de milhares de norte-americanos manifestam a sua exasperação e cólera, ninguém sabe ainda se a iniciativa Ocupar Wall Street constitui um momento da política americana ou a promessa de um movimento que vá transformá-la.

A comparação com o Tea Party não é absurda, mesmo que pareçam ser duas abordagens contrárias: a iniciativa Ocupar Wall Street põe em causa a dominação do capital e a impotência do Estado; o Tea Party imputa a crise económica ao Estado e aos impostos. Estes dois movimentos antagónicos têm no entanto em comum uma profunda desconfiança em relação ao sistema político, o establishment.

A presidência de George W. Bush desagradou a uma parte da direita americana do partido Republicano, por ser considerada demasiado intervencionista, incluindo em matéria económica e social, e portanto demasiado despesista e estatista. No caso do movimento Ocupar Wall Street, a amargura e a cólera suscitadas pelas tergiversações de Barak Obama, o seu centrismo e complacência com o sistema financeiro convenceram muitos dos antigos eleitores do presidente de que o sistema político não é recuperável por ser controlado pelo 1% dos americanos mais ricos, seja qual for o partido no poder.

É evidente que este último movimento se inspira nas revoltas árabes, nas manifestações espanholas da Porta do Sol, nos movimentos estudantis chilenos, nas concentrações israelitas contra a carestia de vida. Em todos estes casos, os contestatários perderam a esperança no seu sistema político, seja ele ditatorial, autoritário ou de aparência democrática mas submetido ao peso do dinheiro. Não aceitam que a crise económica e social poupe de forma ostensiva os bancos e as camadas sociais mais privilegiadas, consideradas como solidariamente responsáveis pela eclosão e pelo agravamento da crise.

Nos Estados Unidos, Wall Street serve de símbolo tanto mais tentador quanto financia «generosamente» os dois principais partidos políticos e alimenta os estratos mais elevados do poder de Estado. Além disso, o centro da especulação americana está em Nova Iorque, cidade cujo multimilionário autarca, Michael Bloomberg, enriqueceu graças a um canal de informação financeira.

Mais ainda, numa altura em que o desemprego atingiu níveis recordes desde há vinte anos, como haveriam os nova-iorquinos de esquecer que as multinacionais americanas prosseguem uma política deliberada de deslocalizações para países de baixos salários? Com efeito, segundo as estatísticas do Ministério do Comércio americano, na década de 1990 as multinacionais terão criado 4,4 milhões de empregos nos Estados Unidos e 2,7 milhões no estrangeiro, ao passo que na primeira década deste século os números mostram que eliminaram 2,9 milhões de empregos nos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, criaram 2,4 milhões no estrangeiro [1].

Obama finge compreender o movimento de protesto que, a seu ver, exprime um sentimento de «frustração»em relação a um sistema político que favorece as tentativas de obstrução assim que estejam em causa interesses poderosos. Mas os manifestantes do movimento Ocupar Wall Street consideram agora o presidente dos Estados Unidos e o seu partido cúmplices deste sistema, senão culpados. Como explica um dos manifestantes, «nós elegemos Obama e tivemos um Congresso democrata [entre Janeiro de 2009 e Janeiro de 2011] e não funcionou. Isto já não tem a ver, portanto, com eleger um candidato. O que está em causa é a forma como funciona este país».

Há alguns meses atrás, as medidas draconianas de austeridade adoptadas em muitos estados americanos tinham já suscitado um sobressalto do movimento social, nomeadamente no Wisconsin. Não é nada certo que estas manifestações da ira popular vão convergir e formar um movimento susceptível de transformar a política americana. Contudo, o filme que seria previsível num ano eleitoral já evoluiu num sentido positivo.

Notas

[1] Citado por Gerald Seib, «Business Risks Becoming Target of Jobs Anger», The Wall Street Journal Europe, 11 de Outubro de 2011.



Publicada originalmente em 21 de Outubro de 2011 no site: http://pt.mondediplo.com/spip.php?article836







"As balas mataram o medo"



Enfrentamentos recentes entre sunitas e alauitas em Homs expuseram os riscos de guerra civil na Síria. Entretanto, a maioria dos manifestantes rejeita tais desvios e reclama por democracia. O poder reafirma querer reformas profundas, mas a sua credibilidade está minada pela violência da repressão.



por Alain Gresh





Hama não é toda a Síria. A cidade de 150 mil habitantes, combativa desde a independência em 1946, destruída pelas bombas de 1982 após a insurreição da Irmandade Muçulmana e relegada ao ostracismo, tornou-se o centro das atenções desde a explosão das revoltas no país, em março. O primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, havia colocado Damasco em estado de atenção contra uma eventual reedição do massacre de 1982. A mídia internacional reuniu os rumores mais estapafúrdios sobre a simbólica cidade e os divulgou sem checar as informações.

Chegar à cidade, situada 200 quilômetros ao norte de Damasco – por uma estrada bem cuidada –, revelou-se mais fácil do que o previsto. Apenas um ponto de controle do exército vigia a entrada. Nos bairros periféricos, meia dúzia de tanques ficam como que dissimulados nos acostamentos. Hama está deserta. Alguns táxis com famílias deixam a cidade. Nosso veículo é obrigado a passar por uma gincana de obstáculos acumulados na entrada de cada rua: um conjunto de blocos de cimento, galhos, pedregulhos, lixo. De um lado, um ônibus queimado; do outro, uma carcaça de automóvel. As frágeis barricadas têm como objetivo impedir qualquer incursão surpresa das forças da ordem na cidade “libertada”. Nas bandeiras, palavras de ordem clamam: “O povo quer a queda do regime!”, “1982 não se repetirá”.

Nosso veículo está bloqueado e é preciso explicar-se diante dos jovens que impedem a passagem. Um deles entra no carro para nos guiar pelo labirinto de ruas e ruelas e ajudar a remover os obstáculos. Primeira parada: sentamos, somos rodeados, respondem às nossas perguntas. Dezenas de pessoas participam da conversa e nos interpelam. Cada um traz fotos de mártires (um irmão, um primo, um amigo) ou cenas registradas por telefone celular, algumas difíceis de suportar – cérebros em pedaços, cabeças esmigalhadas. Uma imagem mostra dois corpos esmagados por um tanque, de acordo com um homem. Mas seu vizinho retifica: “Não, não, por um carro grande: olhe bem as marcas”.



“Nossa revolução é silmiyya”

Por que as ruas estão vazias? Fora os dias de manifestação, às sextas-feiras cada um fica em sua casa. Os homens se revezam em turnos de guarda, alguns dormem de dia, outros de noite. Quanto às mulheres, algumas deixaram a cidade, assim como muitos outros habitantes que temiam a repetição de 1982. E esse ônibus queimado? “São as forças da ordem que ateiam fogo e jogam a responsabilidade para cima de nós. Eles mentem e dizem que queremos criar um emirado islâmico; plantam armas nas mesquitas para nos incriminar.”

“Nossa revolução é silmiyya[pacífica]”: a melhor arma das manifestações, do Egito ao Bahrein, passando pelo Iêmen. Nenhuma das pessoas com as quais cruzamos está armada, exceto por alguns bastões irrisórios. De fato, há grupos armados em outras regiões, reforçados por “combatentes árabes” do Líbano ou do Iraque que, inclusive, se vingam localmente de oficiais e soldados, mas são fenômenos minoritários. Um panfleto datado de 1º de junho, em Hama, fornece instruções precisas aos manifestantes: evitar a desordem, respeitar os edifícios públicos, não insultar ou provocar as forças da ordem. “Protestamos contra a opressão, e não queremos oprimir ninguém.”

Quem são as pessoas aglomeradas ao nosso redor? Um é diplomado em filosofia, outro em medicina, um terceiro em engenharia. Todos afirmam querer um regime “civilizado”: em primeiro lugar, acabar com a arbitrariedade e a humilhação, e instituir o respeito pela dignidade (karama). “Eles podem levar tudo, menos nossa karama.” A experiência das prisões com maus tratos e tortura gerou traumas. “Decidimos que para a prisão não vamos. Há duas alternativas: a liberdade ou o cemitério”, exclama um deles. Há centenas de prisioneiros políticos oriundos de Hama, de 10 a 15 mil em todo o país. Enquanto se desenrola nossa discussão, jovens voluntários recolhem o lixo das ruas. Um dos responsáveis tenta colocar ordem na profusão de testemunhos e intervenções, e retoma a sequência dos acontecimentos desde o início dos levantes na Síria. Ainda marcada pelo espectro de 1982, Hama tomou seu tempo antes de juntar-se ao movimento. No fim de abril, apareceram as primeiras manifestações, as primeiras mortes; mas o diálogo ainda é possível. “Uma delegação da cidade encontrou-se com o presidente Bashar al Assad no dia 11 de maio. Ele nos prometeu que os responsáveis pelas mortes serão julgados e que o exército não entrará na cidade. E então aconteceu o episódio do dia 3 de junho.”



Em resposta às flores, vieram balas

Sentados à sombra, pela temperatura que alcança quase 45 graus, escutamos os relatos às vezes divergentes em alguns detalhes, mas convergentes no essencial. Na sexta-feira, dia 3 de junho de 2011, “dia dos filhos da liberdade”, milhares de manifestantes pacíficos saíram às ruas, armados com flores para oferecê-las aos oficiais e soldados da ordem. Em resposta às flores, vieram balas. Foram contabilizados entre 150 e 230 mortos. “Contudo, três dias depois aceitamos participar de novo encontro com o presidente. Novamente, prometeu punir os culpados e o responsável pelas forças de repressão, Mohamed Muflih, foi chamado em Damasco para depor”, continua nosso interlocutor.

A esses episódios, seguiu-se um período de calma com o recuo das forças armadas até o imenso agrupamento da sexta-feira 1º de julho: 800 mil pessoas, de acordo com alguns meios de comunicação (uma vez e meia o número de habitantes de Hama!), porém mais provável que fossem cerca de 200 mil, enquanto um jornalista próximo às autoridades falava em 70 mil. O regime exasperou-se, destituiu o governador Ahmed Abdelaziz, favorável a uma gestão pacífica, e nomeou para o cargo o oficial Muflih, após ele ser promovido. Todos esperavam uma ofensiva quando, nos dias 4 e 5 de julho (segunda e terça-feiras), as forças da ordem tentaram invadir a cidade. Dezenas de pessoas foram presas, e quatro, assassinadas. “Fizemos eles recuarem. No dia 7 de julho, os embaixadores norte-americano e francês nos ajudaram a desvendar o plano do governo.” A relação de confiança estava rompida. “O presidente havia afirmado duas vezes que o exército não atiraria contra a população. O único governador que respeitou esse acordo foi destituído! Agora, exigimos a queda do regime.”

Outro cruzamento, outra parada e mais um encontro. Os relatos assustadores se repetem, com a mesma hospitalidade, o mesmo apelo vibrante à opinião internacional e a recusa a qualquer intervenção militar estrangeira. Insistem em nos tirar das banquetas para sentar em poltronas, oferecem bebidas, sanduíches e mesmo flores. “Não somos salafistas, somos partidários de um islamismo moderado”, explica um dos anfitriões. Sem dúvida, trata-se de uma cidade conservadora, mas que se afirma aberta, notadamente à minoria cristã. “Somos como os dedos da mesma mão”. Um cristão, motorista de caminhão, dá seu testemunho: “Os jovens que vocês veem são meus filhos, eles me chamam de tio”. E as posições de hierarquia ocupadas pelas autoridades? “Os religiosos têm autoridade sobre assuntos religiosos, não sobre a política. Na minha família, convivem diversas orientações políticas e não é a Igreja que pode desautorizá-las.” Essa visão é um pouco idílica: os discursos de ódio circulam por baixo do pano, principalmente contra os alauitas (minoria xiita à qual pertencem vários dirigentes), mas muitas vezes são denunciados pelos coordenadores, os tansiquiyat, como são chamados aqui.



Sociedade dividida

Na véspera, no bairro cristão de Bab Tuma, em Damasco, milhares de pessoas se aglomeraram ao redor de um palco e de um grupo musical em apoio ao presidente Assad. Muitos jovens, homens e mulheres misturados, vestiam camisetas com o rosto do governante, se enrolavam em bandeiras sírias, cantavam, dançavam e gritavam. Os cristãos, que viram milhares de correligionários iraquianos se refugiarem na Síria, clamavam pelo futuro. Uma bandeirola oferecida por um homem de negócios denunciava “as mentiras da Al Jazira, Al Arabiya e seus aliados”. As duas emissoras via satélite – uma financiada pelo Qatar e a outra pela Arábia Saudita – são acusadas de coberturas parciais, de transmitir informações sem verificação e de serem instrumento unilateral de difusão das opiniões contrárias ao regime. Essa visão não é de todo falsa, mas as restrições impostas por Damasco aos jornalistas estrangeiros fomentam os rumores. O regime proibiu o jornal libanês Al Akhbar, que sempre apoiou Damasco e o Hezbollah frente a Israel, mas que condena os assassinatos dos manifestantes pelo regime.

A fachada da estação de Hedjaz lembra que, em 1908, o Império Otomano inaugurou uma estrada de ferro entre Damasco e Medina. Em frente ao edifício, milhares de pessoas denunciam a visita do embaixador norte-americano a Hama e as ingerências ocidentais nos assuntos sírios. Nesse dia de feriado, os jovens que lá estão não são funcionários ou estudantes obrigados a manifestar-se: o regime possui, de fato, apoio de alguns setores, mesmo cada vez menos numerosos.1 Trata-se de parte das minorias, amedrontadas pela eventual subida ao poder dos islâmicos; a burguesia, inclusive a sunita, enriquecida há dez anos graças à abertura econômica. Nem Damasco (onde os manifestantes se encontram na periferia), nem Alep foram tomadas. Paradoxalmente, são as regiões mais pobres – de onde o partido no poder, o Baas, tirou sua força nos anos 60 e 70, como por exemplo Deraa – que se mobilizaram após o abandono de mais de uma década.

Damasco mudou. Centenas de bancas se instalaram nas calçadas, e ninguém ousa tirá-las dali; os automóveis circulam acima do limite de velocidade permitido; edifícios são construídos sem autorização. A polícia se ocupa de outras coisas e a crença na lei se esvai cada vez mais – embora uma campanha publicitária interpele os cidadãos: “Grande ou pequeno, respeito às leis”; “Otimista ou pessimista, respeito às leis”.

“As balas mataram o medo”, diz um de nossos interlocutores. Num restaurante ao ar livre, meia dúzia de opositores sentam ao redor da mesa esta noite, o “grande dia”, sem medo de orelhas indiscretas. Cada um diz que pode ser preso na manhã seguinte, mas os intelectuais, assim como os partidos na clandestinidade, agem abertamente. Os manifestantes devem participar de um diálogo com o regime se o presidente abrir espaço? A maioria se mostra cética a essa possibilidade e apenas um aceitaria a negociação “para que escutem minha voz”. “De que serve discutir as novas leis se nada muda na prática? Será que precisamos de uma nova Constituição para dar liberdade de expressão a personalidades independentes, como o dirigente de um dos três jornais ‘oficiais’?”,2 se pergunta outro. Um terceiro evoca a anistia: “Estive na prisão e, apesar da primeira lei de anistia, não fui libertado, enquanto o promotor fazia uma intervenção em emissora estrangeira. A Constituição proíbe a tortura, porém ela é praticada cotidianamente”.

Boicotado pela oposição, o diálogo internacional é retransmitido ao vivo. Pela primeira vez na televisão oficial, os sírios puderam escutar numerosas vozes denunciarem a “via da segurança”, os abusos da polícia e das milícias Shabbiha, em geral formadas por delinquentes que instituem o terror. O regime se justifica sob o argumento de complô estrangeiro. Seria ingênuo não considerar que seu enfraquecimento e até a queda são objetivos dos Estados Unidos, de Israel, da Arábia Saudita, das forças de direita do Líbano.3 Mas a crise é, antes de mais nada, interna, e pede uma solução igualmente interna.

Para Michel Kilo, adversário de longa data do regime e ex-preso político, trata-se de uma transição que não começará sem duas condições: “o fim da repressão e a participação ‘da rua’ no processo, ou seja, dessas coordenações que, em cada bairro e cidade, organizam a resistência. ‘A rua’ é o verdadeiro ator de nossa revolução, enquanto os partidos da oposição ou os intelectuais, embora atuantes, não representam o grosso da população”.

Seu pseudônimo é Farida. Jovem, diplomada e, apesar de certo nervosismo – ela é procurada pela polícia –, acredita no futuro. Participa da direção nacional das coordenações locais, cujas ações e posições políticas são discutidas e tomadas pela internet. “Não queremos transformar-nos em partido político. Nosso papel é estar presente nas ruas, unificar as palavras de ordem e os pontos de vista, desenvolver um trabalho de informação. Aprendemos a nos conhecer para além dos preconceitos, a trabalhar juntos. Um é irmão muçulmano, outro é laico, outro nacionalista árabe, mas todos queremos a mesma coisa: um Estado civil, sem violência.” E conclui: “Agosto, o ramadã, é o mês mais sagrado para os muçulmanos. Durante esse período, cada noite as preces serão comunitárias, cada dia será sexta-feira”.

Alain Gresh é jornalista, do coletivo de redação de Le Monde Diplomatique (edição francesa).



Ilustração: Ali Jarekji/ Reuters



1 A melhor análise da crise síria e seus diferentes protagonistas está em dois relatórios publicados em julho de 2011 pelo Grupo Internacional Crisis, “The Syrian people’s slow motion revolution” “A revolução em câmara lenta do povo sírio” e “The Syrian regime’s slow-motion suicide” “O suicídio em câmera lenta do regime sírio” www.crisisgroup.org

2 Al Baath, o jornal do partido; Tichrin, o do governo; e Al Thawra. Outro jornal, Al Watan, tem como proprietário Rami Makhluf, o primo do presidente e um dos homens mais ricos e odiados do país.

3 Paradoxalmente, uma parte da direita cristã compartilha a crença dos cristãos sírios e se recusam a atacar o regime de Damasco.

Legenda foto: Manifestantes sírios seguram bandeira de seus país, com os escritos "Deus, Síria, somente liberdade" em protesto contra Bashar al Assad

Publicada originalmente em 02 de Agosto de 2011, no site Le Monde Diplomatique



24 de novembro de 2011

O começo de uma teocracia no Brasil?



Jean Wyllys


Soube que o colega João Campos – fundamentalista cristão e deputado


federal pelo PSDB de Goiás – andou coletando assinaturas para

apresentar o que eu chamo de “PEC da Teocracia” meses atrás, quando

fui abordado por um dos muitos coletores de assinaturas para PECs e

frentes parlamentares que se espalham pelos corredores da Câmara dos

Deputados (daqui a pouco eu explico por que eu assim “batizo” a PEC).

Como não assino proposição alguma sem, antes, ler seu conteúdo, assim

que me dei conta do que pretende a PEC de Campos (e o que ela pretende

me dá arrepios de pavor), não só recusei-me a subscrevê-la como passei

a alertar os deputados aliados do perigo que a proposta representa.

Apesar de minha iniciativa, o deputado João Campos conseguiu o número

de assinaturas necessário para protocolar sua “PEC da Teocracia”, em

parte porque a bancada cristã na Câmara é numerosa, em parte porque é

grande o número de deputados que, na pressa, assinam qualquer

proposição sem ao menos ler seu conteúdo.



A notícia da “PEC da Teocracia” causou alvoroço entre os setores

progressistas da sociedade e nas redes sociais da internet. Choveram

críticas ao propositor da emenda constitucional e, sobretudo, aos

deputados do PT, PV, PC do B e PPS – partidos considerados de esquerda

e históricos defensores de um estado laico e democrático de direito –

que a subscreveram. Constam lá, por exemplo, as assinaturas dos

petistas Domingos Dutra e Nelson Pellegrino, dois parlamentares que,

aparentemente, jamais endossariam qualquer proposição legislativa que

pusesse em risco a laicidade do Estado e o bem-estar de minorias

sociais e religiosas.



Alguns desses parlamentares de “esquerda” argumentaram, em defesa

própria, que assinaram a “PEC da Teocracia” apenas para “fomentar o

debate”; que não pretendem votar pela sua aprovação… O curioso é que

esses mesmos parlamentares não assinaram a PEC do Casamento Civil

Igualitário, que não oferece qualquer perigo à laicidade do Estado nem

às liberdades individuais, muito pelo contrário. Não assinaram nem

mesmo para “fomentar o debate” na sociedade em torno da negação de

direitos fundamentais à comunidade homossexual. Haja incoerência…



Mas voltemos à PEC n° 99 de 2011: a “PEC da Teocracia”… Eu assim a

batizo porque ela pretende que as “associações religiosas” possam

“propor ação de inconstitucionalidade e ação declaratória de

constitucionalidade de leis ou atos normativos, perante a Constituição

Federal”. O que isso significa? Que, caso essa PEC venha a ser

aprovada, as “associações religiosas” passam a fazer parte do seleto

rol dos legitimados pela Constituição de 1988 a darem início ao

processo de “controle concentrado de constitucionalidade”: (a) o

Presidente da República; (b) a Mesa do Senado Federal; (c) a Mesa da

Câmara dos Deputados; (d) o Procurador-Geral da República; (e)o

Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; (f) partido

político com representação no Congresso Nacional; (g) Mesa de

Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

(h) Governador de Estado ou do Distrito Federal; e (i) confederação

sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.



Qual seria o sentido em se admitir “associações religiosas” entre os

legitimados a darem início ao processo de “controle concentrado de

constitucionalidade” se a finalidade institucional das entidades

confessionais não é promover a supremacia da Constituição, mas, sim,

desenvolver a fé em seus adeptos? Ora, se o Estado é laico – como o é

o brasileiro desde 1980 – questões de cunho moral e místico não podem

ser parâmetro nem para a elaboração das normas nem para o seu

controle. Valores espirituais não podem ser impostos normativamente ao

conjunto da população, nem de forma afirmativa nem por via reflexa do

controle, sob pena de violar a laicidade do Estado. A laicidade

significa que as religiões devem estar protegidas da interferência

abusiva estatal em suas questões internas e, por outro lado, que o

Estado deve ser neutro em relação às diferentes concepções religiosas

e deve estar a salvo de tais influências indevidas. Em uma sociedade

multicultural e plurirreligiosa como a nossa, em que convivem pessoas

das mais diferentes crenças (e também aquelas que não professam credo

algum e que devem ser reconhecidas e respeitadas!), a laicidade é

indispensável para que todos sejam tratados com o mesmo respeito e

consideração.



O fundamentalista João Campos refere-se em sua PEC, malandramente, a

“associações religiosas”. Porém, deve-se tomar essa expressão por

“igrejas cristãs”, pois é certo que ele e quejandos não estão

incluindo, aí, os centros de umbanda ou espíritas, os terreiros de

candomblé nem as mesquitas islâmicas, pois, não é segredo para ninguém

que o esporte predileto dos fundamentalistas cristãos é, depois da

perseguição aos homossexuais, a demonização das religiões

concorrentes. A “PEC da Teocracia” será então o endosso, por parte do

Estado, das religiões cristãs… Ora, o endosso do Estado de alguma

religião fará com que aqueles que não a adotam tornem-se cidadãos de

segunda classe. As normas religiosas, na media em que são

compartilhadas por apenas alguns membros da população, e na medida em

que pertencem à esfera moral e não jurídica, não podem ser impostas

por meio das leis do Estado, nem servir de parâmetro de controle para

estas.



A “PEC da Teocracia” viola cláusula pétrea dos direitos e garantias

individuais. Ou seja, de acordo com a literalidade da Constituição

Federal, qualquer proposta de emenda constitucional que tenda a esse

tipo de violação não pode sequer ser apreciada. Na hipótese de as

associações religiosas serem legitimadas para propor ações de

inconstitucionalidade, os critérios adotados para esse controle seriam

valores morais de uma determinada confissão - e isso aniquilaria a

inviolabilidade de crença de todos os outros cidadãos que não

compartilham da mesma fé.



Na prática, caso seja aprovada, a “PEC da Teocracia” servirá para que

fundamentalistas cristãos como João Campos e quejandos tenham mais um

instrumento para abortar leis ou atos normativos que estendam a

cidadania a homossexuais ou procurem preservar sua dignidade humana.

Ou ainda proposições legislativas que objetivem a descriminalização da

maconha (bandeira histórica do PV) e a legalização do aborto por

anencefalia. A emenda nem é mesmo uma proposição que visa à

pluralidade das concepções religiosas. Pelo contrário: é fruto de uma

onda encampada por um segmento que pretende impor seus credos — que

devem pertencer à esfera privada — a toda a coletividade.


















17 de novembro de 2011

Ecossocialismo ou Barbárie

Banqueiros, grandes corporações, industrias e governantes agem como se fossem donos do mundo e do destino da humanidade: intensificando a exploração e concentração dos recursos políticos e econômicos; fazendo guerras insanas que privam milhões de pessoas de seu direito mais elementar, o direito à vida; destruindo e incentivando a destruição do meio ambiente. A crise ambiental, excetuada do calculo capitalista, é muito mais grave que crise econômica atual. A saber, a crise capitalista acentua as desigualdades, privando milhões de pessoas dos recursos econômicos e direitos políticos, mas a crise ambiental a curto e longo prazo privará a humanidade dos recursos que lhe permitiu existir.

Por isso, já não basta lutar contra desigualdade econômica é preciso lutar pela sobrevivência da espécie humana. Luta que tem sido chamada de Ecossocialismo, socialismo verde ou ecologia socialista é uma ideologia que se fundem aspectos do marxismo, socialismo e ecologia. O ecossocialistas em geral acreditam que a expansão do sistema capitalista é a causa da exclusão social, pobreza, guerra e da degradação ambiental, sob a supervisão de estados e estruturas transnacionais repressoras. O ecossocialistas defendem o desmantelamento do capitalismo e do Estado, com foco na propriedade coletiva dos meios de produção, regulação do uso dos recursos naturais, contenção do consumismo e proteção e recuperação dos ecossistemas.





Guggenheim Partners anuncia Arctic fundo de investimento

Ambientalistas temem que empresas privadas acelerarem a exploração da região do Ártico

Leo Hickman

Guggenheim Partners , uma empresa de investimento privada com sede em os EUA, que administra mais de US $ 125 bilhões no valor de ativos em nome de seus clientes, confirmou a criação de um novo fundo dedicado a fazer investimentos na região do Ártico.

A notícia tem sido criticado por ambientalistas, que temem a aceleração da exploração de petróleo na região, o que contribuiria ainda mais com as mudanças climáticas.

A existência do fundo foi anunciada no fim de semana em que se realizou Juneau World Affairs Council realizada na capital do Alasca, que tratou das " políticas de mudanças climáticas ". Alice Rogoff, editora do Despacho do Alasca, casada com um dos homens mais ricos da América, Carlyle Group co-fundador David Rubenstein , disse na conferência que a Guggenheim Partners estava planejando um fundo de "bilhões de dólares". Ela acrescentou que a empresa iniciaria o projeto com a construção de um quebra-gelo com financiamento privado, que, posteriormente, poderia ser alugado para a guarda costeira dos EUA.

Segundo ela, o quebra gelo de US $ 1 bilhão poderia ser utilizada não só para ajudar a resolver qualquer derramamento de óleo possível, mas desempenhar as suas funções de busca e salvamento, mas também proteger ainda mais novas rotas de navegação para a área. A Shell confirmou que já está construindo seus próprios quebra-gelos, preparando-se para quando for concedido o visto permanente para fazer perfurações nas regiões do Chukchi e Beaufort, previsto para o próximo ano.

Mead Treadwell, tenente-geral do Alasca, disse que o fundo era um " grande acontecimento"para a região, acrescentou que o Ártico do Alasca também atualmente carece de um porto de águas profundas. Sem tal porto disponível, disse ele, as companhias de petróleo iriam incorrer em custos extras por ter de fornecer uma "frota" de navios de apoio durante a perfuração no mar.

O Guggenheim Partners site postou um link para uma história Despacho do Alasca sobre o fundo, mas um porta-voz da empresa se recusou a fornecer qualquer detalhes específicos. "Estamos em fase de planejamento é muito cedo para apresentar detalhes sobre esse fundo de investimento do Ártico", disse Jeffrey Kelley . "Neste momento seria prematuro fazer mais comentários sobre a estrutura ou parâmetros potencial de investimento."

Uma rota permanentemente assegurada através do Estreito de Bering para dentro do Ártico seria um benefício importante para as companhias de navegação. No mês passado, Graneleiros Nórdicos , uma empresa de navegação dinamarquesa, disse que vai guardar um terço das suas despesas habituais e quase a metade o tempo de transporte de mercadorias se uma rota para a China .

Ben Ayliffe, um militante do Ártico para o Greenpeace , criticaram a fundo:. "Nós não devemos nos surpreender que a indústria que nos levou a pior crise econômica mundial agora queira transformar o planeta num deserto. Cegos de ambição, vão despejar bilhões de dólares na aceleração da mudança climática causada pelos combustíveis fósseis. Mesmo que os cientistas alertem que o derretimento dos pólos esteja entrando no que eles chamam de "espiral da morte”.

Publicada originalmente no site guardian.co.uk, 16 de novembro de 2011.



10 de novembro de 2011

Supermercado ou pelourinho?



Jorge Américo e Eduardo Sales de Lima

Casos de racismo e tortura no Extra, Walmart e Carrefour expõem os resquícios do escravismo e da ditadura civil-militar no Brasil



“Por que o negro, quando entra no mercado, passa a ser monitorado? Por que, inconscientemente até, o funcionário de segurança dessas lojas passa a ‘copiá-lo’? Porque, na cabeça dele, o negro é o suspeito padrão”. É o que defende o advogado Dojival Vieira, em entrevista à Radioagência NP. Ele acompanha três casos de pessoas que teriam sofrido tortura física e/ou psicológica em decorrência de racismo nas três maiores redes de supermercado do Brasil: Carrefour, Walmart e Extra (pertencente ao grupo Pão de Açúcar).

Dois destes casos aconteceram no início deste ano. Em Osasco (SP), no dia 16 de fevereiro, a dona de casa Clécia Maria da Silva, de 56 anos, foi parar no hospital depois de ter sido acusada de furto por seguranças da rede Walmart. Um segurança revistou sua bolsa. A cliente portava o cupom fiscal que comprovava o pagamento das mercadorias que levava. Segundo a médica que atendeu a dona de casa, ela teve uma crise de hipertensão e ficou próxima de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). O segurança teria dito que “isso acontece mesmo com os pretos”, segundo relato da cliente à Dojival, que acompanha o caso. A ocorrência foi registrada como calúnia no 9º Distrito Policial de Osasco no dia 18 de fevereiro.

Outro caso, tão grave quanto. Um garoto de 11 anos relatou ter sido levado a uma “salinha” nos fundos do hipermercado Extra da Marginal do Tietê, na cidade de São Paulo, e confirmou ter sido agredido por seguranças no dia 10 de janeiro. O garoto teria sido abordado após passar no caixa com biscoitos, salgadinhos e refrigerantes e se encaminhava para a saída da loja.

Estes dois casos não são inéditos. Em 2009, no estacionamento do Carrefour de Osasco, o vigilante Januário Alves de Santana foi apontado como suspeito de roubar seu próprio carro. Na sequência, sofreu torturas por quase 30 minutos, com socos, pontapés e uma tentativa de esganadura que lhe provocou fratura no maxilar, provocando a destruição da sua prótese dentária.

A existência dessas “salinhas de tortura”, evidenciadas no caso do garoto abordado no Extra e do vigia agredido no Carrefour, põe os supermercados em condição análoga às masmorras. Isso de acordo com Hédio Silva Jr., ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo.“São crimes hediondos. São salas de interrogatórios, espécies de masmorras contemporâneas em que as pessoas são isoladas do público e submetidas a toda sorte de constrangimento. Ao acentuar o papel da vigilância, com isso não estou diminuindo ou relativizando a responsabilidade que a empresa que contrata o serviço, que são os supermercados, possui”, elucida.

Pelo menos no caso de 2009 ocorreu uma decisão inédita do Poder Público. No início de fevereiro, a polícia de São Paulo indiciou seis seguranças da rede de supermercados Carrefour pelo crime de tortura motivada por preconceito racial. Mas há muito pela frente. A partir de agora, de acordo com Dojival Vieira, caberá ao MP oferecer a denúncia e à Justiça aceitá-la, instaurar o processo, passar os indiciados a réus e condená-los de acordo com a lei. Segundo Douglas Belchior, integrante do conselho geral da Uneafro-Brasil, o ineditismo desse indiciamento por crime de tortura motivado por preconceito racial ainda expõe a vagarosidade no tratamento de crimes dessa lógica dentro das instâncias de poder.



Punir e vigiar

Juntas, essas três maiores redes varejistas do país lucraram R$ 71,5 bilhões em 2009. Só o Walmart possui 400 lojas no Brasil. Em 2010, as unidades da empresa espalhadas pelo mundo faturaram quase 410 bilhões de dólares. Mesmo com o lucro, parece não haver preocupação em relação a investimentos na capacitação de seus seguranças. “As empresas de segurança transportaram, para as relações de consumo, práticas que não são próprias, não são compatíveis com o Estado democrático de direito. E as empresas que as contratam – os supermercados e shoppings – não tiveram até agora a preocupação de investir na capacitação e no treinamento desses funcionários”, pondera Dojival.

Segundo ele, essas empresas contratadas subverteram o princípio constitucional, base de qualquer Estado democrático de direito. “Qual é a lógica que essas empresas impuseram? Todos são culpados até que se prove a inocência”, explica.

Hélio Silva vai mais a fundo e enlaça a falta de treinamento desses profissionais de segurança que trabalham nessas redes de supermercado com a herança cultural brasileira. “Se eles não têm treinamento, é mais ou menos óbvio que ele vai reproduzir no trabalho dele os conceitos que ele aprendeu socialmente.

Por isso, além de educação escolar, como um todo, a formação desses profissionais tem que ter um conteúdo que o prepare para não reproduzir no seu trabalho os conceitos aprendidos socialmente”, defende. Segundo ele, o Brasil tem um certo atavismo cultural muito vinculado a esse tipo de prática cruel e que muitas instituições têm dificuldades para romper com essa mentalidade. Como ressalta Dojival, esses prováveis casos de racismo ilustram os efeitos perversos de dois tipos de “herança” de quais o país ainda não se livrou: o escravismo e a cultura do “prende e arrebenta” do período ditatorial. “Todos sabemos que boa parte dessas empresas são propriedade de militares que serviram na ditadura e importam para as relações de consumo as práticas desse período, que no caso dos negros, fica agravada pelo fato de ser o suspeito padrão, exatamente pela condição de sub-cidadão que ele ocupa desde o período escravista”, salienta Dojival.

O Brasil de Fato entrou em contato com as assessorias de imprensa das três redes de supermercado, Extra, Walmart e Carrefour, mas não obteve nenhum tipo de posicionamento relacionado aos supostos casos de racismo e tortura, tampouco acerca dos nomes das empresas de segurança que prestam serviço nas lojas. O jornal também tentou contato com Januário Alves de Santana, mas ele firmou um acordo extra-judicial no qual não pode expor qualquer tipo de informação sobre o caso, com fim de que o inquérito não seja prejudicado.



Publicado originalmente em 08/11/2011, no site do Brasil de Fato: http://www.brasildefato.com.br/content/supermercado-ou-pelourinho


"ISSO ACONTECE MESMO COM OS PRETOS"




8 de novembro de 2011

Compre o preço.
Ronaldo Bressane



Acabei de voltar da tal da butique Daslu. Fui lá ver o show do Marcelo D2, tá ligado? Ele memo. O cara tá nos pano, mano. Ele é agora patrocinado pela Mandi, jão, se liga. Uma roupa de grife aí que abriu uma loja na Daslu. Eu descolei um convite VIP com um truta meu que trampa na copa. Itaim, certo? Uma par de quarteirão lotadaço de man in black e Cherokee e Audi e o caralho a quatro. Caipirinha ice na faixa. Bati mó larica. Qual é? Umas paradas à pampa pra comer, umas mina de elite memo, tudo loira, velho, o cabelo num reflexo só, luzes, aqueles pelinho no braço, mó perfume no ar, perfume, perfume. D2 mandou bem. Apareceu o Seu Jorge, na estica. Ele também é artista Mandi. Levou um tanto aí pra desfilar, mais a roupa que ele quiser, o ano inteiro, saca? Os nego se trata. Tinha muito maurício, é lógico, mas cê queria o quê? D2 lembrou que nóis tamos se organizando pra desorganizar, tamo desorganizando pra se organizar. Falou do tal do Chico Science. E do tal do Bezerra da Silva. Tinha um vídeo mostrando o Gracie lutando músculo pular. Tinha um vídeo mostrando uns carinhas pegando onda. Eu tiro é onda, manda o D2. E o povo obedece. O povo? Tinha uma loira de dois metro de altura na minha frente. Uma hora subiu no palco o Thaíde, tá ligado? Que tempo bom, que não volta nunca mais. Ele pediu pra galera agitar a mãozinha dum lado pro outro. Mano, nunca vi tanto Rolex e Bulgari na minha fuça, pra lá, pra cá, pra lá, pra cá, tava pra fazer mó funça naqueles vacilão. De brilho no cabelo e camisa pra dentro da calça com cinto. E uns com cinto. E uns playboy com pano de officeboy. Eu já vi tanta coisa, jão, eu não me impressiono mais com nada. Tá tudo certo. E não é que os playba tava cantano direitinho as parada? D2 falava que representa o pesadelo do hip hop. E os maurício curtia! Qual é? D2 falava que você é você, não importa de onde é. D2 falava VAMO FAZÊ BARULHO? Outra hora subiu o cara dono da Mandi, tá ligado. O dono da parada subiu no palco e D2 e Seu Jorge pediro pro cara soltar um sambinha. O cara deu uma reboladinha mais ou menos. Mas tá limpo. Foi o batismo dele, né não, jão? O cara curte os movimento, é nóis tamém, por que não, velho? Só porque é playboy? Mó discriminação. E falar em discriminação, pô, aí, não podia fumar cigarro na Daslu, velho. Mas eu vi umas perua fumano. Até tive uma noinha de puxar meu dubom, mas eu que não queria queimar tudo até a última ponta ali, velho, dá licença. Fala sério, jão, uns tiozinho sacando tudo, a Caras, o Estadão, a Folha, o Nizan Guanaes, a Cicarelli, uma par de modelo, uma par de segurança. Eu tiro é onda, mandou o D2. Eu vim do Rio de Janeiro a Nova York levado pelo som, no Andaraí, no Brooklin, só tem sangue-bom, vou te explicar como é que eu faço pra sair dessa merda, eu tô sempre ligado, e mantenho minha mente aberta, com dinheiro é muito fácil, todo mundo é feliz, eu quero vê tira onda sem dinheiro como eu fiz. Tá tudo dominado. Qual é? Eu tipo tava curtindo o show mas tipo achei meio sinistro, tá ligado. Tipo: num sei, uma hora eu colei numa parede e fiquei meio assim noiado que ia dar um vomitão num terno Armani e ia fazer merda. Eu sempre acho que vou fazer merda uma hora, e aí eu faço. Mas pra desencanar dei uma olhada nos preço dos pano: jaqueta de dez conto. Dez mil conto. Tinha uns caras vendendo apê de 500 metro quadrado. Tinha uma foto do Malcolm X de barão, numa beca muito louca, do lado de umas foto de uns rei, de uns figura elegante, em cima de uma estante onde a gravata mais na moral custava 400 conto. Achei louco o negão ali, tipo símbolo de status pros maurício. Jão, ali, terno, sapato, meia, cristal, charuto, livro, vestido, perfume, carro, tudo tá à venda, jão, tudo à venda. Tinha uma loira de dois metro de altura que ficava tipo me zuando e passando o rabo dela no meu nariz, aqueles sapato me agulhando o pé, foda. E o perfume, velho. Os cara se trata. VAMO FAZÊ BARULHO? Eu ouvi uns caras falando que era um acontecimento histórico, o D2 na Daslu. Tipo o encontro de dois mundos, jão, mas eu não vi nada disso. Eu não vi porra nenhuma de dois mundos se encontrando e nem que a vaca tussa eu vou acreditar que Marte vai invadir a Terra, tá ligado. Eu vi que as minas da faxina tavam usando roupas de minas da faxina, tá ligado. Então tá tudo certo, tipo. Eu pisei num chiclete que uma loira jogou no chão, mano, e ela me olhou dum jeito como se olha um extintor de incêndio, saca. O D2 deu uns berro contra a MTV, morou. O D2 ganhou 3 VMBs semana passada. O D2 tava nuns panos da hora. Qual é? Eu fiquei assim meio zuado com aquelas caipirinha ice. Eu queria dar um rolê, mas pra todo lugar que eu ia o chão era cheio de man in black em volta e aqueles maurício com malha em cima do ombro, morou, mano. Eu ouvi um cara dizer pra outro que o Thaíde, o cara não levou nenhum cachê, pra cantar no show do D2, ganhou foi uns 15 conto em roupa que tirou direto na loja. Tá certo, jão. O som tava da hora. Foi me dando um negócio a hora que eu vi, que, porra, na real, tudo ali era igual. Era todo mundo igual aquela merda. Os playba sabia todas as músicas do D2. O D2 lembrou do Sabota, rap é compromisso. O D2 gritava VAMO FAZÊ BARULHO! Mas ninguém fazia barulho, mesmo, na real. Tipo, eu soltei uma bufa, a porra dos salgadinho me fudeu o lombo, mas acho que ninguém sacou, morou. Eu também não vi ninguém tirando uma fumaça, aí fiquei meio na miúda, nem quis acender minha ponta. Na real, eu vi que eu tava sozinho, velho, muito sozinho. Tinha vários retrato na parede, uns rei, umas modelo, um lance assim meio pop, é pop art que fala, eu acho. E tinha aquela foto do Malcolm X em cima de uma gravata Zegna por 497 contos. Todas as roupas tinham preço, tudo ali tem preço, ali você não compra a roupa, compra o preço. O show acabou, todo mundo curtiu, todo mundo aplaudiu. Os cara foram ali na elite e desenvolveram o discurso. Na rua, eu vi uns figuras combinando de ir comer num japonês. Lógico que a parada dos cara tem a ver com a rua, mas, na boa, qual o pobrema se playboy curte o som dos cara? Eu fui saindo fora de fino e até vi o D2 botando o carrinho do filho dele no porta-malas da Pajero dele. O mano tem vez, a vez chegou, né, jão. A minha, igual, chega também um dia, tá ligado? Tipo. Eu fui andando ali pelo Itaim meio rápido, porque tou ligado que bumba pra quebrada é só até a meia-noite. Fui andando na minha, andano, andano, andano. Até que sentei no ponto e tudo começou a rodar, a rodar, a rodar, e aí meu deu um troço e aí fudeu. Chamei o hugo memo, velho, vomitei toda a parada dos salgadinho de salmão e das caipirinha ice, gorfei tudo, mano, mó jato, foda, mó nojeira tudo em cima de mim. Tou fudido, jão, é o único pano de balada que eu tenho, minha mãe vai me dar um esporro. Me limpei num jornal. Tá limpo. D2 mas mantenha o respeito. Vou ter que jogar fora e comprar outro. Foda-se. Rap é compromisso, e fudido por um, fudido por mil. Qual é, mano? Acabo de voltar da tal da butique Daslu. Fui lá ver o show do Marcelo D2, tá ligado nos movimento? Ele memo. Na procura da batida perfeita. Ano que vem, se eu descolar uma boiada dessas, vou de novo.