24 de agosto de 2010

Diário de Bitita

Quando fui trabalhar na casa do farmacêutico Manoel Magalhães, todos estavam alegres por hospedarem seu sobrinho padre Geraldo. Consideravam-se importantes por terem um padre na família. Ele tinha acabado de chegar de Roma, ia rezar uma missa e todo mundo estavam convidado.

Eu não conhecia a casa. Só conhecia a cozinha e o quintal. Quando começou o reboliço lá dentro, eu só ouvia a palavra: “Sumiu! Sumiu! Só pode ter sido ela”. Eu estava estendendo a roupa quando vi chegarem dois soldados.
-Vamos, vamos, vagabunda! Ladra! Nojenta!
Assustei:
- O que aconteceu?
- Ainda pergunta, cara-de-pau! Você roubou dez mil-réis do padre Geraldo.
Era dez horas da manhã. Logo a notícia circulou.
- A Bitita roubou CEM MIL-RÉIS do padre Geraldo.
- Credo! Ela vai pro inferno!
- Vai mesmo, mas antes de ir pro inferno vai pra cadeia.
Foram avisar minha mãe. É a única pessoa que está sempre presente nas alegrias ou desgraças. Doeu quando ela perguntou:
- Você roubou Bitita?
- Não senhora! Eu nunca vi dez mil-reis.
Meu desejo era conhecer uma cédula de dez mil, duzentos, quinhentos e quem sabe até de um conto de reis. Estas nunca tinha visto. Só conhecia as de cinqüenta , vinte, dez, cinco, dois e um mil-reis.
Fui presa por dois soldados e um sargento. Pensei que eles iam me obrigar a percorrer as ruas com as crianças gritando em coro: “- A Bitita roubou dez mil-reis do padre! A Bitita roubou dez mil-reis do padre!”
Naquele dia compreendi que todo negro deveria esperar por isso. Me levaram pra delegacia. Quando o soldado levantou a mão pra me bater o telefone tocou. Era o padre Geraldo avisando que tinha encontrado o dinheiro, que ele mesmo havia escondido num maço de cigarros. Ele não pediu perdão, só mandou a polícia me soltar pra eu voltar pro trabalho.

(Carolina Maria de Jesus, Diário de Bitita)

Nenhum comentário: