Quando a gente deixou de achar
graça um do outro... Esses dias me peguei pensando em que momento deixamos de
achar graça um do outro. Tentei identificar uma data precisa e não consegui,
assim passei a elencar quais eram as nossas manias e costumes e, quando, pouco
a pouco, fomos deixando de praticá-las, não achando mais graça em nada disso.
Lembrei de como eu ria da sua incapacidade de achar as chaves de casa, a
carteira, o celular. Lembrei de como você tirava sarro da minha procrastinação
no trabalho. Lembrei que cozinhávamos juntos e eu sempre queria comandar tudo,
então, você ria e me cutucava criticando a teoria e a prática do feminismo.
Lembrei que eu sempre te chamava na cama para dar um beijo de bom dia, você
sempre acordava mais cedo e me chamava de dorminhoca. Lembrei de como eu achava
graça da sua obstinação e disciplina. Lembrei que achamos graça de tudo isso e,
não sei exatamente quando, deixamos de sentir. Mas sabe o que acho que foi
marcante? Foi quando deixamos de achar graça em ir ao samba juntos. Esse foi o
fim. Nós adorávamos, mas depois perdeu a graça. Quero deixar claro que me
lembro disso tudo com alegria e sem saudosismo. Tem muita gente que nunca
passou por isso. Nunca achou graça e vive até hoje só com a irritação de não
rir, de não compartilhar com o outro. Demorei tanto para escrever sobre isso.
Demorei porque não me sentia pronta para colocar no papel. Demorei porque foi
difícil admitir para mim mesmo que passou e, eu, ando com vontade de achar
graça em outra pessoa.