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5 de fevereiro de 2013
Manual de Instruções para a Domesticação de Mulheres : Edição irlandesa, século XX.
Regra 1: encontre uma mulher que quebrou uma regra. Não importa qual. Pode ser bonita demais. Ou triste demais. Pode ter amado o homem errado ou simplesmente ter sorrido na hora errada. Melhor ainda se estiver grávida. Sozinha. Suja de desejo ou de vergonha.
Regra 2: chame-a de Madalena. Isso basta. É uma palavra que justifica tudo — o enclausuramento, a lavagem, o castigo, a purificação.
Regra 3: trancafie. Chave dupla. O Estado fornece o cadeado. A Igreja, a sentença.
Então, começa o processo. Lave. Esfregue. Purifique. Torne o corpo útil — afinal, ele é uma engrenagem. Produz. Trabalha. Sustenta a moral da nação. Nada de salário, apenas orações. Nada de identidade, apenas silêncio.
Se ela gritar, diga que é histeria. Se tentar fugir, castigue. Se engravidar de novo — por estupro, por abuso, por desespero — retire a criança, desapareça com ela. Bebês são como pecados: é preciso enterrá-los. Ou vendê-los. Ou negar que existiram.
A fossa dos bebês abortados pela Igreja Católica
A recente exumação dos 796 corpos de bebês e crianças encontrados na fossa do lar católico em Tuam, iniciada oficialmente em 2025 pelo governo irlandês, lança luz sobre o mesmo sistema de violência institucional que sustentava as Lavanderias de Madalena. Ambos os espaços — o lar de mães e bebês e as lavanderias — faziam parte de uma engrenagem de controle moral sobre os corpos femininos, especialmente os corpos das mulheres pobres, solteiras ou vítimas de violência. As crianças mortas em Tuam são a consequência final desse regime: frutos indesejados de mulheres consideradas “imorais”, apagados do registro civil, da história e da memória coletiva. Nas lavanderias, essas mães eram punidas com trabalhos forçados; nos lares como Tuam, seus filhos, por serem considerados herança do pecado, eram separados delas, negligenciados, e, como mostram as valas comuns, muitas vezes deixados à morte.
Em nome de Deus
Um relatório oficial do governo irlandês, divulgado em 2013, admitiu que o Estado irlandês foi responsável pelo envio de cerca de 30 mil mulheres e meninas para as chamadas "Lavanderias de Madalena", instituições católicas que eram verdadeiras senzalas femininas, onde adolescentes sem teto, mães solteiras, jovens delinquentes ou consideradas "problemáticas" foram submetidas a longas jornadas de trabalho não remunerado e sofreram todo tipo de tortura física e psicológica.
Essas instituições, dirigidas por freiras católicas, foram acusadas de tratar as internas colocadas sob seus cuidados como "escravas", em pleno século XX (entre 1922 e 1995).
Tudo leva a crer que foi o trabalho escravo dessas mulheres que financiou congregações católicas da Irlanda, como as Irmãs de Nossa Senhora da Caridade, os Bons Pastores, as Irmãs da Misericórdia e as Irmãs Religiosas da Caridade.
Quem eram essas mulheres escravizadas, chamadas pela Igreja de “Irmãs de Madalena”? A maioria das abrigadas pelas "Lavanderias de Madalena" eram mulheres acusadas por pequenos delitos como, por exemplo, não pagar por um bilhete de ônibus, furto e vadiagem. Havia também jovens órfãs ou abandonadas pelas famílias.
As sobreviventes contaram ao Grupo de Defesa e Justiça para as Madalenas como funcionavam as instituições: um regime rígido e inflexível de trabalho e oração, com muitos casos de abuso sexual.
Mais de 10.000 mulheres, com idades entre 9 e 89 anos, foram enviadas para oito das dez lavanderias, segundo os registros disponíveis entre 1992 e 1996. O Grupo de Defesa e Justiça para as Madalenas tomou conhecimento de pelo menos 988 mulheres enterradas nos cemitérios das "Lavanderias" de toda a Irlanda, o que significa que essas mulheres permaneceram nas instituições até a morte. A Dra. Katherine O'Donnell, diretora do Centro de Estudos das Mulheres da University College, em Dublin, disse: "O Estado enviou meninas e mulheres para o sistema de lavanderia Madalena através dos tribunais, de forma ilegal."
Esse cenário aterrador das Lavanderias de Madalena foi retratado no filme The Magdalene Sisters (2002).
O filme se passa na década de 1960 e conta a história de Margaret, uma jovem estuprada pelo primo e enviada à instituição pela família; Bernadette, uma jovem muito bonita e sensual, considerada um perigo para os homens da vizinhança; Rose e Crispina, duas mães solteiras. Personagens inspiradas na história de mulheres reais que realmente viveram nas "Lavanderias de Madalena". Quatro mulheres renegadas pela família e pela sociedade, internadas nessa instituição católica para "pagarem por seus pecados". Uma punição sem tempo determinado, baseada numa rotina de trabalhos forçados na instituição, que prestava serviços para presídios, hospitais e para o exército.
O nome "Irmãs Madalena" é uma clara referência a Maria Madalena: a pecadora. Mas, ao contrário da personagem bíblica que, segundo consta, foi perdoada e acolhida por Jesus, as Madalenas desta história são humilhadas regularmente pelas freiras, que não toleram desobediência e muitas vezes aplicam castigos físicos.
Para ser internada numa das Lavanderias de Madalena, bastava ser mãe solteira, ser bonita e sensual demais ou feia demais para casar, ser ignorante ou muito inteligente, vítima de estupro — enfim, bastava ser mulher e agir de maneira oposta às regras socialmente estabelecidas. Por tais crimes e pecados, as Madalenas eram obrigadas a trabalhar 364 dias por ano — descanso? Só no Natal. Não recebiam remuneração. Mulheres escravizadas com as bênçãos da Igreja e a chancela do Estado.
E não estamos falando de coisas ocorridas nos séculos XVII ou XVIII, mas do século XX. O filme se passa nos anos 1960 — década da revolução sexual, do feminismo, das lutas por direitos civis dos setores excluídos.
Neste filme, a autoridade da Igreja sobre a vida dessas mulheres é representada pela irmã Bridget, que pune as meninas que tentam fugir, desobedecem as freiras e conversam durante o trabalho. O enredo retrata também a hierarquia estabelecida pelas religiosas. Embora seja o trabalho das internas que sustenta a instituição, a comida servida a elas era bem inferior à das freiras.
O filme retrata outra faceta cruel desse sistema de escravidão: algumas dessas Madalenas também eram escravas sexuais, ou seja, eram obrigadas a prestar “favores” sexuais aos padres. Quando alguma delas engravidava, como a Igreja não tolera o aborto, os filhos fruto do estupro eram adotados por “boas famílias católicas”.
A narrativa deixa claro ainda que a escravidão dessas Madalenas mantinha muitas ordens religiosas e as obras “filantrópicas” da Igreja Católica na Irlanda.
Ficha Técnica – The Magdalene Sisters
Título em português: Em Nome de Deus (em alguns países lusófonos)
Direção: Peter Mullan
Roteiro: Peter Mullan
Produção: Frances Higson
Ano de lançamento: 2002
País: Reino Unido / Irlanda
Duração: 119 minutos
Gênero: Drama / Histórico / Social
Idioma original: Inglês
Elenco principal:
Geraldine McEwan (Irmã Bridget)
Anne-Marie Duff (Margaret)Nora-Jane Noone (Bernadette)
Dorothy Duffy (Rose)
Eileen Walsh (Crispina)
- Direção de fotografia: Nigel Willoughby
- Edição: Colin Monie
- Distribuição: Miramax Films
Prêmios e Reconhecimento:
Festival de Veneza (2002):
Leão de Ouro – Melhor Filme - Prêmio do Público (melhor longa-metragem internacional)- BAFTA Scotland Awards:
- Melhor Filme
Melhor Atriz (Anne-Marie Duff)